Qualquer que seja a posição de um homem dentro de uma igreja, e
qualquer que seja o poder que ostente ou o prestígio que desfrute,
continua sendo um servo de Cristo.
Este pensamento levou Paulo a meditar no juízo. Um oikonomos
deve ser uma pessoa em que se possa confiar. O mesmo fato de que
desfrute de tanta independência e responsabilidade, de que controle
tanto, faz mais necessário que seu amo possa depender absolutamente de
sua fidelidade. Os coríntios, com suas seitas e partidos e sua apropriação
dos líderes da Igreja como se fossem seus amos, exerceram o juízo sobre
eles: preferiram um ao outro.
De modo que Paulo fala dos três juízos que todo homem deve
enfrentar:
(1) Deve enfrentar o ajuizamento dos que o rodeiam. Neste caso
Paulo diz que para ele isso não é nada. Mas há um sentido em que o
homem não pode desdenhar o juízo de seus semelhantes. O estranho é
que, apesar de seus ocasionais equívocos radicais, o juízo de nossos
semelhantes freqüentemente é instintivamente correto. Isto se deve a que
todo homem admira instintivamente as qualidades básicas de honra,
honestidade, retidão e confiabilidade, generosidade, sacrifício e amor.
Antístenes, um filósofo cínico, costumava dizer: "Só há duas
pessoas que podem te dizer a verdade a respeito de ti mesmo — um
inimigo furioso ou um amigo que te ama muito." É muito certo que
nunca devemos deixar que o que outros opinem nos desvie do que
cremos correto, mas também é certo que a opinião dos homens é muitas
vezes mais exata do que nós pensamos, devido ao fato de que os homens
admiram instintivamente as coisas belas.
(2) Deve enfrentar o juízo de si mesmo. Este tampouco interessa a
Paulo. Sabia muito bem que a opinião que alguém tem de si mesmo pode
estar velada pela estima própria, por seu farisaísmo, pelo orgulho e pela
vaidade. Mas no sentido real todo homem deve enfrentar seu próprio
juízo. Uma das leis éticas gregas básicas diz "Homem, conhece-te a ti
mesmo." Os cínicos insistiam em que uma das primeiras características
1 Coríntios (William Barclay) 45
de um homem verdadeiro era "a capacidade para dar-se bem consigo
mesmo". A única pessoa da qual um homem não pode escapar é de si
mesmo; tem que viver consigo mesmo. E se perder o respeito por si
mesmo e não pode olhar-se a si mesmo nos olhos, a vida se torna
intolerável.
(3) Deve enfrentar o juízo de Deus. Em última instância, este é o
único juízo verdadeiro. Para Paulo, o juízo que esperava não era o de
qualquer dia humano mas o do Dia do Senhor. O juízo de Deus é final
por duas razões:
(a) Só Deus conhece todas as circunstâncias. Pode trazer à luz o
que está oculto. Conhece as lutas do homem, sabe até onde poderia ter-se
afundado, e até onde poderia ter subido, sabe o que um homem poderia
ter chegado a ser para mal ou para bem. Deus é a única pessoa que
conhece todos os fatos.
(b) Só Deus conhece todas as motivações do homem. "O homem vê
a ação, mas Deus vê a intenção." E muitas ações que parecem nobres
podem ter-se realizado pelos motivos mais egoístas e indignos, e muitas
ações que parecem baixam podem ter-se realizado pelas motivações mais
elevadas. Aquele que fez o coração humano o conhece e só Ele pode
julgá-lo.
Faríamos bem em lembrar duas coisas. Primeiro, que embora
evitemos todo outro juízo ou fechemos nossos ouvidos perante eles,
como a avestruz, não podemos evitar o juízo de Deus, e segundo, que o
juízo pertence a Deus porque só Ele pode julgar, e nós faríamos bem em
não julgar a ninguém.
A HUMILDADE APOSTÓLICA E O ORGULHO ANTICRISTÃO
1 Coríntios 4:6-13
Tudo o que Paulo esteve dizendo a respeito de si mesmo e de Apolo
não é certo apenas com respeito a eles, também se aplica aos coríntios.
Não só ele e Apolo devem manter-se humildes pensando que não estão
1 Coríntios (William Barclay) 46
enfrentando o juízo dos homens, mas o de Deus, também os coríntios
devem andar em uma humildade semelhante. Paulo sempre agia com
maravilhosa cortesia. Incluía-se a si mesmo em suas próprias
advertências e condenações. O verdadeiro pregador raramente utiliza a
palavra vós e sempre usa nós; não fala com os homens como se o fizesse
de acima, ele o faz considerando-se entre eles, como alguém que sente
como eles e que também é um homem de paixões. Se realmente
queremos ajudar e salvar os homens nossa atitude não deve ser de
condenação, mas sim de rogo, nosso acento não deve ser de crítica, mas
sim de compaixão. Paulo não insiste em que os coríntios não devem
transgredir suas palavras, mas que não devem transgredir as de Deus. pôs
perante eles não sua própria ensino, mas sim lhes mostrou como a
palavra de Deus condena todo orgulho. Recorda-lhes que não trata-se de
um conselho humano, mas sim de uma ordem divina.
E logo Paulo lhes lança a mais básica e pertinente de todas as
perguntas. "O que possuem que não tenham recebido?" Nesta oração
Agostinho viu toda a doutrina da graça. Em um momento Santo
Agostinho tinha pensado em termos do logro humano, mas chegou a
dizer: "Para resolver esta questão trabalhamos duro pela causa da
liberdade da vontade do homem, mas a Graça de Deus ganhou."
Ninguém jamais poderia conhecer a Deus, se Ele não se revelasse,
ninguém jamais teria ganho sua própria salvação; o homem não se salva
a si mesmo, é salvado. Quando pensamos a respeito do que temos feito e
podemos fazer e no que Deus tem feito por nós, deixamos de lado o
orgulho e só fica uma humilde gratidão. A falta básica dos coríntios era
que tinham esquecido que deviam suas almas a Deus.
E então nos encontramos com um desses estalos que se apresentam
várias vezes nas cartas de Paulo. Dirige-se aos coríntios com uma ironia
severíssima. Compara seu orgulho, sua estima de si mesmos, seu
sentimento de superioridade, com a vida que vive um apóstolo. Escolhe
uma imagem vívida. Quando um general romano ganhava uma grande
vitória ele desfilava com seu exército através das ruas da cidade com
Nenhum comentário:
Postar um comentário