OS DISTINTOS DONS DE DEUS
1 Coríntios 12:4-11 A idéia de Paulo nesta seção é sublinhar a unidade essencial da Igreja. A Igreja é o corpo de Cristo e a característica de um corpo são é que cada parte do mesmo realiza sua própria função para o bem da totalidade. Mas unidade não significa uniformidade, e portanto, dentro da Igreja há distintos dons e distintas funções; mas cada um deles é um dom do mesmo Espírito, e cada um deles está destinado não para a glória do membro individual da Igreja, mas para o bem da totalidade. Paulo começa dizendo que todos os dons especiais (charismata) provêm de Deus. Ele cria que toda capacidade especial que o homem tem provém de Deus e, portanto, deve ser utilizada em seu serviço. A falha da Igreja, ao menos em épocas modernas, é que interpretou esta idéia dos dons especiais de uma maneira muito estreita. Agiu muitas vezes com a presunção aparente de que os dons especiais que pode utilizar consistem em coisas, tais como falar, orar, ensinar, escrever, todos dons mais ou menos intelectuais ou acadêmicos. Seria bom se a Igreja se desse conta de que os dons de quem pode trabalhar com suas mãos, do artesão, na verdade são igualmente especiais e também provêm de Deus. O pedreiro, o carpinteiro, o eletricista, o pintor, o engenheiro, o 1 Coríntios (William Barclay) 110 bombeiro têm dons especiais; e a Igreja se enriqueceria grandemente se, para ocupar postos, escolhesse artesãos que estão preparados para dedicar e consagrar a habilidade de suas mãos a Deus, assim como ela escolhe aqueles cujos dons descansam em seu poder de falar, pensar ou escrever. Não há nenhuma razão pela qual um artesão que está disposto a oferecer livremente seu artesanato para o serviço da Igreja não seja eleito como diácono para que possa utilizar seu dom para a Igreja. Todo dom especial provém de Deus e pode ser utilizado para Ele. É do maior interesse examinar a lista de dons especiais que Paulo menciona, devido ao fato de que por meio dela aprenderemos muito a respeito das características e do trabalho da Igreja primitiva. Tomemos os itens um por um. Começa com duas coisas que soam parecidas — palavra da sabedoria e palavra do conhecimento. A palavra grega que traduzimos por sabedoria é sophia. Clemente de Alexandria a definiu como "o conhecimento das coisas humanas e divinas e de suas causas". Aristóteles a descreveu como "a luta por alcançar os melhores fins e utilizando os melhores meios". Esta sabedoria é a mais elevada; é nada menos que o conhecimento do próprio Deus. Provém nem tanto do pensamento e da mente como da comunhão com Deus. É a sabedoria que conhece a Deus. Conhecimento — em grego, gnosis — significa algo muito mais prático. É o conhecimento que sabe como agir diante de qualquer situação. É em realidade a aplicação prática da sophia à vida e aos assuntos humanos. As duas coisas são necessárias. A sabedoria que conhece por sua comunhão com Deus as coisas profundas a respeito Dele, e o conhecimento que, na vida e trabalho diário do mundo e da Igreja, pode pôr em prática essa sabedoria. Segue na lista a fé. Com este termo Paulo quer dizer muito mais do que nós usualmente denominamos fé. Este tipo de fé foi definida como fé potente e como o poder de compreender o espiritual. É a fé que realmente produz resultados, a fé que — segundo a velha frase — realmente pode mover montanhas. Não é só a convicção intelectual de 1 Coríntios (William Barclay) 111 que algo é certo; é a crença apaixonada por algo que faz com que o homem dê por isso tudo o que é e tudo o que tem. É a fé que fortalece a vontade e estimula a fibra do homem para a ação. É a fé que converte a visão em atos. Logo Paulo fala a respeito dos especiais dons de curar. A Igreja primitiva vivia num mundo no qual eram comuns o que chamaríamos milagres de cura. Se um judeu adoecia era muito mais provável que recorresse a um rabino que a um médico; e o mais provável é que se curasse. Esculápio era o deus grego da cura. As pessoas iam a seus templos, quase sempre passando toda a noite neles, para serem curados, e se curavam. Até o dia de hoje encontramos entre as ruínas destes templos tabletes votivas e inscrições comemorando estas curas e ninguém se tomaria o trabalho nem o gasto de erigir uma inscrição por nada. No Templo de Epidauro há uma inscrição que relata como um certo Alketas "apesar de estar cego viu a visão sonhada. O deus pareceu aproximar-se dele e lhe abrir os olhos com seus dedos, e primeiro viu as árvores que estavam no templo. Ao amanhecer partiu curado." No templo de Roma está a seguinte inscrição. "A Valério Aper, um soldado cego, o deus lhe deu um oráculo para vir e tomar o sangue de um galo branco com mel e misturá-los num emplastro e ungir seus olhos por três dias, e recebeu a vista e veio e deu graças publicamente ao deus." Tratava-se de uma era de curas. Não há nenhuma dúvida de que o dom de curar existia na Igreja primitiva; Paulo não o teria chamado se não tivesse sido real. Na carta de Tiago (5:14) há uma instrução que diz que se um homem estiver doente deve dirigir-se aos anciãos e eles o ungirão com azeite. É simplesmente um fato histórico que até o século IX o sacramento da Unção se utilizava para curar, e só depois se converteu no sacramento da Extrema Unção, em preparação para a morte. A Igreja nunca perdeu totalmente o dom de curar, e uma das coisas mais grandiosas que está acontecendo hoje é que a Igreja o está redescobrindo. 1 Coríntios (William Barclay) 112 O ancião francês Montaigne, um dos escritores mais sábios que jamais existiu, disse a respeito da educação de um jovem: "Faria com que seus membros estivessem tão treinados como sua mente. Não estamos educando nem uma mente nem um corpo; trata-se de um homem E não devemos dividi-lo em dois." Por muito tempo a Igreja dividiu o homem em corpo e alma, e aceitou ser responsável por sua alma, mas não por seu corpo. Um dos grandes redescobrimentos de nossa época é que mais uma vez estamos aprendendo a tratar o homem como uma totalidade, e chegará o dia em que o médico e o pastor trabalharão mais uma vez em plano de igualdade. Logo Paulo menciona operações de milagres. Certamente se refere a exorcismo. Naqueles dias muitas enfermidades, muitas vezes quase todas, e em especial as enfermidades mentais eram atribuídas à obra dos demônios; e uma das funções da Igreja era a de conjurar os demônios. Fossem ou não reais, a pessoa que se considerava possuída estava convencida de que se tratava de um fato real, e a Igreja podia ajudar e o fazia. O exorcismo é ainda uma realidade no campo missionário. Em todos os tempos a função da Igreja é assistir a mente doente e turvada. Paulo continua mencionando a profecia. Teremos uma idéia melhor do significado desta palavra se a traduzirmos pregação. Associamos muito a palavra profecia com a predição do que acontecerá no futuro. Mas em realidade sua significado foi mais enunciar que predizer. O profeta é um homem que vive tão perto de Deus que conhece sua mente, coração, vontade, intenção, e que portanto pode dá-las a conhecer aos homens. Devido a isto a função de um profeta tem dois aspectos: (a) Admoesta e adverte, dizendo aos homens que seu forma de agir não está de acordo com a vontade de Deus; (b) Aconselha e guia, buscando dirigir os homens pelos caminhos que ele sabe que Deus deseja que sigam. 1 Coríntios (William Barclay) 113 Paulo menciona a seguir o discernimento de espíritos. Em uma sociedade em que a atmosfera era tensa e elétrica e em que toda classe de manifestações anormais eram consideradas normais, era preciso distinguir entre o que era real e o que era meramente histérico, entre o que era genuíno e o que era produto da ilusão exaltada, entre o que provinha de Deus e o que pertencia ao diabo. Até o dia de hoje, quando algo é incomum e se encontra fora de nossa órbita comum, é muito difícil dizer se provém de Deus ou não. O único princípio que devemos observar é que devemos tentar compreender antes de condenar. Por último Paulo menciona variedade de línguas e a interpretação das línguas. O assunto das línguas, como veremos, estava causando muita perplexidade na Igreja de Corinto. Até hoje, embora ainda existe, é completamente alheio à nossa experiência. O que acontecia era o seguinte: durante o culto na Igreja alguém dos membros caía em êxtase e lançava uma corrente de sons ininteligíveis num linguagem inexistente. Era um dom altamente desejado pois se supunha que se devia à influência direta do Espírito de Deus. Para a congregação era algo completamente ininteligível. Algumas vezes a pessoa que caía em êxtase podia interpretar o que tinha pronunciado, mas quase sempre se requeria que interviesse alguém que tivesse o dom da interpretação. Paulo nunca questionou a realidade do dom de línguas, mas sabia muito bem que apresentava seus perigos, devido ao fato de que a histeria, o êxtase e certo tipo de auto-hipnotismo são difíceis de diferenciar. O quadro que obtemos é o de uma Igreja vivamente desperta. Aconteciam coisas; em realidade aconteciam coisas surpreendentes. A vida se via elevada, intensificada e sensibilizada. Na Igreja primitiva não havia nada chato, aborrecido nem comum. Paulo sabia que toda esta atividade vivaz e poderosa era a obra do Espírito que outorgava a cada homem um dom para que o utilizasse para todos.
1 Coríntios 12:4-11 A idéia de Paulo nesta seção é sublinhar a unidade essencial da Igreja. A Igreja é o corpo de Cristo e a característica de um corpo são é que cada parte do mesmo realiza sua própria função para o bem da totalidade. Mas unidade não significa uniformidade, e portanto, dentro da Igreja há distintos dons e distintas funções; mas cada um deles é um dom do mesmo Espírito, e cada um deles está destinado não para a glória do membro individual da Igreja, mas para o bem da totalidade. Paulo começa dizendo que todos os dons especiais (charismata) provêm de Deus. Ele cria que toda capacidade especial que o homem tem provém de Deus e, portanto, deve ser utilizada em seu serviço. A falha da Igreja, ao menos em épocas modernas, é que interpretou esta idéia dos dons especiais de uma maneira muito estreita. Agiu muitas vezes com a presunção aparente de que os dons especiais que pode utilizar consistem em coisas, tais como falar, orar, ensinar, escrever, todos dons mais ou menos intelectuais ou acadêmicos. Seria bom se a Igreja se desse conta de que os dons de quem pode trabalhar com suas mãos, do artesão, na verdade são igualmente especiais e também provêm de Deus. O pedreiro, o carpinteiro, o eletricista, o pintor, o engenheiro, o 1 Coríntios (William Barclay) 110 bombeiro têm dons especiais; e a Igreja se enriqueceria grandemente se, para ocupar postos, escolhesse artesãos que estão preparados para dedicar e consagrar a habilidade de suas mãos a Deus, assim como ela escolhe aqueles cujos dons descansam em seu poder de falar, pensar ou escrever. Não há nenhuma razão pela qual um artesão que está disposto a oferecer livremente seu artesanato para o serviço da Igreja não seja eleito como diácono para que possa utilizar seu dom para a Igreja. Todo dom especial provém de Deus e pode ser utilizado para Ele. É do maior interesse examinar a lista de dons especiais que Paulo menciona, devido ao fato de que por meio dela aprenderemos muito a respeito das características e do trabalho da Igreja primitiva. Tomemos os itens um por um. Começa com duas coisas que soam parecidas — palavra da sabedoria e palavra do conhecimento. A palavra grega que traduzimos por sabedoria é sophia. Clemente de Alexandria a definiu como "o conhecimento das coisas humanas e divinas e de suas causas". Aristóteles a descreveu como "a luta por alcançar os melhores fins e utilizando os melhores meios". Esta sabedoria é a mais elevada; é nada menos que o conhecimento do próprio Deus. Provém nem tanto do pensamento e da mente como da comunhão com Deus. É a sabedoria que conhece a Deus. Conhecimento — em grego, gnosis — significa algo muito mais prático. É o conhecimento que sabe como agir diante de qualquer situação. É em realidade a aplicação prática da sophia à vida e aos assuntos humanos. As duas coisas são necessárias. A sabedoria que conhece por sua comunhão com Deus as coisas profundas a respeito Dele, e o conhecimento que, na vida e trabalho diário do mundo e da Igreja, pode pôr em prática essa sabedoria. Segue na lista a fé. Com este termo Paulo quer dizer muito mais do que nós usualmente denominamos fé. Este tipo de fé foi definida como fé potente e como o poder de compreender o espiritual. É a fé que realmente produz resultados, a fé que — segundo a velha frase — realmente pode mover montanhas. Não é só a convicção intelectual de 1 Coríntios (William Barclay) 111 que algo é certo; é a crença apaixonada por algo que faz com que o homem dê por isso tudo o que é e tudo o que tem. É a fé que fortalece a vontade e estimula a fibra do homem para a ação. É a fé que converte a visão em atos. Logo Paulo fala a respeito dos especiais dons de curar. A Igreja primitiva vivia num mundo no qual eram comuns o que chamaríamos milagres de cura. Se um judeu adoecia era muito mais provável que recorresse a um rabino que a um médico; e o mais provável é que se curasse. Esculápio era o deus grego da cura. As pessoas iam a seus templos, quase sempre passando toda a noite neles, para serem curados, e se curavam. Até o dia de hoje encontramos entre as ruínas destes templos tabletes votivas e inscrições comemorando estas curas e ninguém se tomaria o trabalho nem o gasto de erigir uma inscrição por nada. No Templo de Epidauro há uma inscrição que relata como um certo Alketas "apesar de estar cego viu a visão sonhada. O deus pareceu aproximar-se dele e lhe abrir os olhos com seus dedos, e primeiro viu as árvores que estavam no templo. Ao amanhecer partiu curado." No templo de Roma está a seguinte inscrição. "A Valério Aper, um soldado cego, o deus lhe deu um oráculo para vir e tomar o sangue de um galo branco com mel e misturá-los num emplastro e ungir seus olhos por três dias, e recebeu a vista e veio e deu graças publicamente ao deus." Tratava-se de uma era de curas. Não há nenhuma dúvida de que o dom de curar existia na Igreja primitiva; Paulo não o teria chamado se não tivesse sido real. Na carta de Tiago (5:14) há uma instrução que diz que se um homem estiver doente deve dirigir-se aos anciãos e eles o ungirão com azeite. É simplesmente um fato histórico que até o século IX o sacramento da Unção se utilizava para curar, e só depois se converteu no sacramento da Extrema Unção, em preparação para a morte. A Igreja nunca perdeu totalmente o dom de curar, e uma das coisas mais grandiosas que está acontecendo hoje é que a Igreja o está redescobrindo. 1 Coríntios (William Barclay) 112 O ancião francês Montaigne, um dos escritores mais sábios que jamais existiu, disse a respeito da educação de um jovem: "Faria com que seus membros estivessem tão treinados como sua mente. Não estamos educando nem uma mente nem um corpo; trata-se de um homem E não devemos dividi-lo em dois." Por muito tempo a Igreja dividiu o homem em corpo e alma, e aceitou ser responsável por sua alma, mas não por seu corpo. Um dos grandes redescobrimentos de nossa época é que mais uma vez estamos aprendendo a tratar o homem como uma totalidade, e chegará o dia em que o médico e o pastor trabalharão mais uma vez em plano de igualdade. Logo Paulo menciona operações de milagres. Certamente se refere a exorcismo. Naqueles dias muitas enfermidades, muitas vezes quase todas, e em especial as enfermidades mentais eram atribuídas à obra dos demônios; e uma das funções da Igreja era a de conjurar os demônios. Fossem ou não reais, a pessoa que se considerava possuída estava convencida de que se tratava de um fato real, e a Igreja podia ajudar e o fazia. O exorcismo é ainda uma realidade no campo missionário. Em todos os tempos a função da Igreja é assistir a mente doente e turvada. Paulo continua mencionando a profecia. Teremos uma idéia melhor do significado desta palavra se a traduzirmos pregação. Associamos muito a palavra profecia com a predição do que acontecerá no futuro. Mas em realidade sua significado foi mais enunciar que predizer. O profeta é um homem que vive tão perto de Deus que conhece sua mente, coração, vontade, intenção, e que portanto pode dá-las a conhecer aos homens. Devido a isto a função de um profeta tem dois aspectos: (a) Admoesta e adverte, dizendo aos homens que seu forma de agir não está de acordo com a vontade de Deus; (b) Aconselha e guia, buscando dirigir os homens pelos caminhos que ele sabe que Deus deseja que sigam. 1 Coríntios (William Barclay) 113 Paulo menciona a seguir o discernimento de espíritos. Em uma sociedade em que a atmosfera era tensa e elétrica e em que toda classe de manifestações anormais eram consideradas normais, era preciso distinguir entre o que era real e o que era meramente histérico, entre o que era genuíno e o que era produto da ilusão exaltada, entre o que provinha de Deus e o que pertencia ao diabo. Até o dia de hoje, quando algo é incomum e se encontra fora de nossa órbita comum, é muito difícil dizer se provém de Deus ou não. O único princípio que devemos observar é que devemos tentar compreender antes de condenar. Por último Paulo menciona variedade de línguas e a interpretação das línguas. O assunto das línguas, como veremos, estava causando muita perplexidade na Igreja de Corinto. Até hoje, embora ainda existe, é completamente alheio à nossa experiência. O que acontecia era o seguinte: durante o culto na Igreja alguém dos membros caía em êxtase e lançava uma corrente de sons ininteligíveis num linguagem inexistente. Era um dom altamente desejado pois se supunha que se devia à influência direta do Espírito de Deus. Para a congregação era algo completamente ininteligível. Algumas vezes a pessoa que caía em êxtase podia interpretar o que tinha pronunciado, mas quase sempre se requeria que interviesse alguém que tivesse o dom da interpretação. Paulo nunca questionou a realidade do dom de línguas, mas sabia muito bem que apresentava seus perigos, devido ao fato de que a histeria, o êxtase e certo tipo de auto-hipnotismo são difíceis de diferenciar. O quadro que obtemos é o de uma Igreja vivamente desperta. Aconteciam coisas; em realidade aconteciam coisas surpreendentes. A vida se via elevada, intensificada e sensibilizada. Na Igreja primitiva não havia nada chato, aborrecido nem comum. Paulo sabia que toda esta atividade vivaz e poderosa era a obra do Espírito que outorgava a cada homem um dom para que o utilizasse para todos.
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