quarta-feira, 2 de maio de 2018

Livro: 1 Corintios n°30 PRIVILÉGIOS NÃO RECLAMADOS

PRIVILÉGIOS NÃO RECLAMADOS 

1 Coríntios 9:1-14 À primeira vista este capítulo parece bastante desligado do anterior, mas em realidade não o está. Seu objetivo reside no seguinte: os coríntios que se consideravam cristãos amadurecidos e adiantados tinham declarado que se encontravam em uma posição tão privilegiada que tinham liberdade para comer carne oferecida aos ídolos se assim o desejavam. Pensavam que sua liberdade e privilégios cristãos lhes outorgavam uma posição especial na qual podiam fazer coisas que estavam proibidas para homens inferiores a eles. A forma em que Paulo responde a este argumento é expondo os muitos privilégios que ele mesmo tinha direito a reclamar, mas que não reclamava para não convertê-los em pedras de tropeço para outros nem em estorvo para a efetividade do evangelho. Primeiro, Paulo declara ser um apóstolo, posição que imediatamente o colocava em uma posição privilegiada. Utiliza dois argumentos para provar a veracidade de seu apostolado. (1) Viu ao Senhor. Várias vezes o Livro dos Atos esclarece que a prova principal de um apóstolo é que é testemunha da Ressurreição 1 Coríntios (William Barclay) 81 (Atos 1:22, 2:32; 3:15; 4:33). Isto é de tremenda importância. A fé, no Novo Testamento, muito raramente é fé ou submissão a um credo; tratase quase sempre de fé em uma pessoa. Paulo não diz: “Sei o que tenho crido”, mas sim “Sei em quem tenho crido” (2 Timóteo 1:12). Quando Jesus chamou a seus discípulos não disse: "Eu gostaria que examinassem minha filosofia" nem "Eu gostaria que considerassem meu sistema ético" nem "Ofereço-lhes uma declaração de fé que eu gostaria que discutissem". Disse: "Sigam-me". Todo o cristianismo começa com esta relação pessoal com Jesus Cristo. Ser cristão é conhecer Cristo pessoalmente. Como disse uma vez Carlyle ao ser eleito ministro: "O que esta Igreja precisa é alguém que não conheça Cristo de segunda mão." Tudo começa com esta relação pessoal. (2) Em segundo lugar Paulo destaca que seu ministério foi efetivo. Os próprios coríntios eram a prova disso. Chama-os seu selo. Na antigüidade o selo era de grande importância. Quando se enviava um carregamento de grão ou tâmaras ou coisas semelhantes, a última coisa que se fazia era selar os pacotes e sacos e caixas para demonstrar que seu conteúdo era genuinamente o que pretendia ser. Quando se realizava um testamento este era selado com sete selos, e não era considerado legalmente válido a não ser que fosse apresentado com os sete selos intactos. O selo garantia a autenticidade. A Igreja de Corinto garantia o apostolado de Paulo. A prova final de que um homem conhece Cristo é que pode atrair outros a Cristo. Conta-se que uma vez um jovem soldado, internado em um hospital disse a Florência Nightingale enquanto atendia: "Você é Cristo para mim." A realidade do cristianismo de alguém se demonstra melhor pelo fato de que ajuda outros a serem cristãos. O privilégio que Paulo poderia ter reclamado era ser sustentado pela Igreja. Poderia tê-lo feito tanto para si mesmo como para sua esposa. Em realidade os outros apóstolos o faziam e recebiam esse sustento. Os gregos rechaçavam o trabalho manual, nenhum grego livre trabalharia voluntariamente com suas mãos. Aristóteles dizia que todos os homens 1 Coríntios (William Barclay) 82 estavam divididos em duas classes: os cultos e sábios e os lenhadores e abacateiros que existiam unicamente para realizar tarefas servis para outros. Considerava que não só era terrivelmente equivocado, mas também estava mal tentar elevá-los e educá-los. Os inimigos de Sócrates e Platão os tinham vituperado devido ao fato de que não cobravam por ensinar, e portanto supunham que seus ensinos não valiam nada. É certo que todo rabino judeu devia ensinar gratuitamente e ter um ofício que lhe permitisse ganhar seu pão cotidiano; mas estes mesmos rabinos se encarregavam muito bem de inculcar o ensino de que não havia nada mais meritório que sustentar a um rabino. Se alguém desejava um bom lugar no céu a melhor maneira de assegurá-lo era cobrir todas as necessidades de um rabino. Paulo, com muito boa base, teria podido reclamar o privilégio de ser mantido pela Igreja. Utiliza analogias humanas cotidianas. Nenhum soldado tem que buscar sua própria comida, então por que um soldado de Cristo que luta contra o mal tem que fazê-lo? O homem que planta uma vinha desfruta de seu produto. Não deveria acontecer o mesmo com o homem que funda uma igreja? O pastor de ovelhas obtém sua comida de seu rebanho. Não teria que fazer o mesmo o pastor cristão? As mesmas Escrituras dizem que o boi que trabalha moendo o grão não deve ter focinheira, mas se deve permiti-lo comer do grão (Deuteronômio 25:4). Como o faria qualquer rabino, Paulo alegoriza essa instrução e faz com que se aplique ao professor cristão. O sacerdote que serve no Templo recebe seu parte das oferendas e vive delas. Isso era certo. No sacrifício grego, os sacerdotes, como já o vimos, recebiam as costelas, a coxa e a parte esquerda da cara. Mas é bom que também consideremos o que recebiam os sacerdotes no Templo de Jerusalém. Havia cinco oferendas principais. (1) A oferta que se queimava. Queimava-se íntegra menos o estômago, as vísceras e o tendão da coxa (cf. Gênesis 32:32). Mas até 1 Coríntios (William Barclay) 83 neste caso os sacerdotes recebiam os couros, e realizavam um comércio florescente e lucrativo com eles. (2) A oferta pelos pecados. Neste caso só se queimava a graxa sobre o altar e os sacerdotes recebiam toda a carne. (3) A oferta pelas transgressões. Mais uma vez só se queimava a graxa e os sacerdotes recebiam toda a carne. (4) A oferta de comida. Consistia em farinha, veio e azeite. Só se oferecia uma parte simbólica no altar; a maior parte correspondia aos sacerdotes. (5) A oferta de paz. Queimavam-se no altar a gordura e as vísceras, os sacerdotes recebiam o peito e o ombro direito, o resto ficava em mãos do ofertante. Os sacerdotes desfrutavam ainda de maiores privilégios. (1) Recebiam os primeiros frutos de sete classes distintas: trigo, cevada, videira, figueira, granada, oliveira e mel. (2) O Terumah. Esta era a oferenda dos frutos escolhidos de tudo o que crescia. Os sacerdotes tinham direito a ao redor de uma cinqüenta avos de todos os frutos. (3) O dízimo. Tinha que oferendar o dízimo de "tudo o que pode ser utilizado como comida e cresce sobre a terra". Este dízimo pertencia aos levitas, mas os sacerdotes recebiam um dízimo do que correspondia aos levitas. (4) O Challah. Ofertava-se uma massa sovada, feita de trigo, cevada, aveia ou centeio. Se fosse oferecida por um particular tinha que dar aos sacerdotes a parte vinte e quatro avos da mesma, se se tratava de um padeiro a parte quarenta e oito avos. 

Agora tudo isto está por trás da negativa de Paulo a aceitar até um sustento básico da Igreja. Negava-se por duas razões. (1) Os sacerdotes agiam de maneira vergonhosa. Enquanto que a família judia comum comia carne quando muito uma vez por semana, os sacerdotes sofriam de uma enfermidade profissional por comer muita 1 Coríntios (William Barclay) 84 carne. Seus direitos, seus privilégios, o luxo em que viviam e sua rapacidade eram notórios. Paulo sabia muito bem. Sabia como usavam a religião como um meio para enriquecer-se e ele estava decidido a ir ao outro extremo e não aceitar nada. A lembrança da conduta dos sacerdotes e da má reputação que gozavam, fez com que Paulo se negasse a aceitar qualquer tipo de ajuda. (2) A segunda razão era a independência de Paulo. Pode ser que a levasse muito longe, devido ao fato de que pareceria ferir os coríntios negando-se a aceitar uma ajuda. Mas Paulo era um desses seres independentes que preferem morrer de fome a depender de alguém. Em última instância, uma coisa dominava a conduta de Paulo: Não fazer nada que desacreditasse o evangelho, nada que lhe estorvasse. Os homens sempre julgam uma mensagem pela vida e a personalidade da pessoa que a dá a conhecer, e Paulo estava decidido a ter as mãos limpas. Não estava disposto a permitir que nada em sua vida contradissera a mensagem de seus lábios. Uma vez uma pessoa disse a um pregador: "Não pude ouvir o que disse por ouvir o que você é." Ninguém jamais poderia ter dito isto respeito a Paulo. 

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