quarta-feira, 2 de maio de 2018

Livro: 1 Corintios n°49 A RESSURREIÇÃO DE JESUS E A NOSSA

1 Coríntios 15 A ressurreição de Jesus e a nossa O Senhor ressuscitado - 15:1-11 Se Cristo não tivesse ressuscitado - 15:12-19 Primícias dos que dormem - 15:20-28 Se não houvesse ressurreição - 15:29-34 O físico e o espiritual - 15:35-49 A conquista da morte - 15:50-58 

A RESSURREIÇÃO DE JESUS E A NOSSA

 1 Coríntios 15, que consideraremos agora, é ao mesmo tempo um dos capítulos mais grandiosos e mais difíceis do Novo Testamento. Não só é difícil em si mesmo, mas também deu ao credo uma frase que muita gente encontra dificultoso afirmar, pois deste capítulo principalmente obtemos a idéia da ressurreição do corpo. O capítulo era muito menos difícil se o estudarmos considerando seu pano de fundo, e até essa frase problemática chegará a ser bastante clara e aceitável quando nos dermos conta do que Paulo quis dizer com ela. De modo que antes de estudar este capítulo há certas coisas que faríamos bem em ter em conta. (1) É de muita importância recordar que os coríntios não negavam a ressurreição de Jesus Cristo; o que negavam era a ressurreição do corpo; e no que Paulo insiste é que se alguém negar a possibilidade da ressurreição do corpo, nega a possibilidade da ressurreição de Jesus Cristo, e então esvaziou a mensagem cristã de sua verdade e a vida cristã de sua realidade. (2) Em qualquer Igreja cristã primitiva devia haver dois panos de fundo, devido ao fato de que em todas elas havia judeus e gregos. Devemos considerar ambos. Em primeiro lugar estava o pano de fundo judeu. Até o fim os saduceus negavam que houvesse vida depois da morte. Portanto uma linha do pensamento judeu negava completamente tanto a imortalidade da alma como a ressurreição do corpo (Atos 23:8). 1 Coríntios (William Barclay) 138 No próprio Antigo Testamento há muito pouca esperança em algo que possa chamar-se vida depois da morte. De acordo com a crença generalizada nele, todos os homens, sem distinções ao morrer iam ao Sheol. Muitas vezes o traduz equivocadamente como Inferno. Era a morada de todos os mortos. Era uma terra cinza, por debaixo do mundo, em que os mortos viviam uma existência fantasmal e nas sombras, sem forças, sem luz, separados por completo tanto dos homens como de Deus. O Antigo Testamento está cheio deste pessimismo triste e frio com respeito ao que acontecia depois da morte. Pois na morte não há recordação de ti, No Sheol quem te dará louvor? (Salmo 6:5, TB) Que proveito obterás no meu sangue, quando baixo à cova? Louvar-te-á, porventura, o pó? Declarará ele a tua verdade? (Salmo 30:9). Acaso mostrarás maravilhas aos mortos? Porventura levantar-se-ão as sombras dos mortos e te louvarão? Será referida a tua benignidade na sepultura? Ou a tua fidelidade em Abadom? Acaso serão conhecidas nas trevas as tuas maravilhas? E a tua justiça na terra do esquecimento? (Salmo 88:10-12, TB) O Sheol era a terra da escuridão e dos mortos esquecidos. Os mortos não louvam o Senhor, tampouco nenhum dos que descem ao silêncio. (Salmo 115:17, NVI) Pois o Sheol não te pode louvar, A morte não te pode celebrar: Os que descem à cova, não podem esperar a tua verdade. (Isaías 38:18, TB). Desvia de mim o olhar, para que eu tome alento, antes que eu passe e deixe de existir. (Salmo 39:13). 1 Coríntios (William Barclay) 139 Para aquele que está na companhia dos vivos, há esperança; porque mais vale um cão vivo do que um leão morto. Pois os vivos sabem que hão de morrer; mas os mortos não sabem coisa alguma, nem tão pouco têm daí em diante recompensa, porque a sua memória fica entregue ao esquecimento. ... Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra, nem indústria, nem ciência, nem sabedoria alguma. (Eclesiastes 9:4,5,10). Quem no Sheol louvará o Altíssimo? (Eclesiástico 17:27). Não são os mortos no Sheol, aqueles cujo espírito foi arrancado de suas vísceras, os que dão glória e justiça ao Senhor (Baruque 2:17). J. E. McFadyen, o grande erudito no Antigo Testamento, disse que esta falta de crença na imortalidade se deve "ao poder com o qual esses homens apreendiam a Deus neste mundo". "Há poucas coisas mais maravilhosas que esta na longa história da religião" — continua — "que por séculos os homens viveram as vidas mais nobres, cumprindo com seus deveres e suportando suas tristezas, sem a esperança de um prêmio futuro, e o fizeram porque em todas suas idas e vindas estavam muito seguros de Deus." É certo que no Antigo Testamento se vislumbra em muito poucas ocasiões uma vida por vir. Eram épocas nas quais o homem sentia que, se Deus era na verdade Deus, devia haver algo que mudasse os veredictos incompreensíveis deste mundo. Jó clama: Eu sei que o meu Redentor vive. E por fim se levantará sobre a Terra. Depois, revestido este meu corpo da minha pele, Em minha carne verei a Deus. (Jó 19:25, 26). O verdadeiro sentimento do santo era que até nesta vida o homem podia chegar a uma relação com Deus, tão íntima, tão preciosa e próxima que nem sequer a morte poderia destruí-la. 1 Coríntios (William Barclay) 140 Portanto está alegre o meu coração, e se regozija a minha alegria; Também a minha carne habitará em segurança. Pois não abandonarás a minha alma ao Sheol, Nem permitirás que o teu santo veja a corrupção. Farme-ás conhecer a vereda da vida: Na tua presença há plenitude de alegria; Na tua destra há delícias para sempre. (Salmo 16:9-11, TB). Tu me seguraste pela mão direita. Guiar-me-ás com o teu conselho e, depois, me receberás em glória. (Salmo 73:23b, 24). É certo que em Israel se desenvolveu a esperança imortal. Duas coisas ajudaram. (a) Israel era o povo eleito e entretanto, sua história era um relato de contínuos desastres. Os homens começaram a sentir que fazia falta outro mundo para restabelecer o equilíbrio. (b) É certo que por muitos séculos o indivíduo apenas existiu. Deus era o Deus da nação, mas o indivíduo era uma unidade sem importância. Mas à medida que passaram os séculos a religião se converteu em algo cada vez mais pessoal. Deus se converteu não no Deus da nação e sim nAquele que era o amigo de cada indivíduo, e assim os homens começaram, não com segurança, mas sim obscura e instintivamente, a sentir que uma vez que o homem conhece a Deus e é conhecido por Ele, tem lugar uma relação que nem a morte pode romper. (3) Agora consideremos o mundo grego. Ao fazê-lo devemos captar firmemente uma coisa que sem dúvida alguma encontra-se atrás deste capítulo. Em linhas gerais os gregos criam na imortalidade da alma, mas jamais teriam sonhado em crer na ressurreição do corpo. É certo que tinham um medo instintivo à morte. Eurípides escreveu: "Entretanto, os mortais, carregados com inumeráveis males ainda amam a vida. Desejam a chegada de cada dia, contentes de suportar o que conhecem, em vez de enfrentar a morte desconhecida" (Fragmento 813). Em realidade os gregos, e toda essa parte do mundo influenciada por seu pensamento, criam na imortalidade da alma. Mas — e aqui está a 1 Coríntios (William Barclay) 141 diferença — esta envolvia a abolição, a extinção e a completa dissolução do corpo. Os gregos tinham um provérbio "O corpo é uma tumba." Um deles dizia "Sou uma pobre alma encadeada a um cadáver." Sêneca disse: "Foi grato inquirir na eternidade da alma — crer nela. Rendo-me perante essa grande esperança." Mas também diz: "Quando chegar o dia que dividirá esta mescla de divino e humano, deixarei meu corpo aqui, onde o encontrei, e devolverei a mim mesmo aos deuses." Epicteto escreve: "Quando Deus não provê o que é necessário, está tocando o sinal de retirada —abriu a porta e diz: 'Vem'. Mas aonde? A nenhum lugar terrível, mas sim ao sítio de onde provimos, às coisas que nos são queridas e afins a nós, aos elementos. O que em nós era fogo se converterá em fogo, a terra em terra, a água em água." Sêneca diz que as coisas na morte "dividem-se em seus elementos primitivos". Para Platão "o corpo é a antítese da alma, como a fonte de toda fraqueza em oposição à única coisa que é capaz de independência e bondade". Podemos ver isto muito melhor na crença sustentada pelos estóicos. Para eles Deus era um espírito fogoso, o mais puro de toda a Terra. O que dava vida aos homens era uma faísca desse fogo divino que vivia no corpo do homem, uma faísca de Deus. Quando um homem morria, seu corpo se dissolvia simplesmente nos elementos dos que parecia, mas a faísca divina retornava a Deus e era absorvida na divindade da qual formava parte. De modo que, para os gregos, a imortalidade descansava precisamente em livrar-se do corpo. Para eles a ressurreição do corpo era impensável. A imortalidade pessoal em realidade não existia, porque a vida que havia no homem era absorvida novamente por Deus, fonte de toda existência. (4) A perspectiva de Paulo era bastante diferente. Se começarmos com um fato imenso o resto será bastante claro. A crença cristã que a individualidade sobreviverá depois da morte, que você seguirá sendo você, e eu seguirei sendo eu. Junto a isto devemos considerar outro fator de grande peso. 1 Coríntios (William Barclay) 142 Para os gregos o corpo não podia ser consagrado. O corpo era matéria, a fonte de todo mal, a cadeia, o impedimento, o cárcere da alma. Mas para o cristão o corpo não era mau. Não podia sê-lo depois da encarnação. Jesus, o Filho de Deus, tinha tomado sobre si este corpo humano e portanto o corpo não era desprezível nem ruim devido ao fato de que tinha sido habitado por Deus. Portanto para o cristão a vida por vir envolve o homem em sua totalidade, corpo e alma. É fácil interpretar mal e caricaturar a doutrina da ressurreição do corpo. Celso, que viveu ao redor do ano 220 d. C. e que foi um dos primeiros em atacar ao cristianismo, o fez há muito tempo. "Como podem os mortos ressuscitar com seus corpos idênticos?", pergunta. "Em realidade é a esperança dos vermes! Porque, que alma desejará um corpo que apodreceu?" É fácil apresentar o caso de uma pessoa destroçada num acidente, ou que morreu de câncer, ou mutilada, desfigurada, contrafeita. Mas Paulo nunca disse que ressuscitaríamos com o corpo com o qual morremos. Insistiu em que teríamos um corpo espiritual. O que Paulo queria dizer em realidade é que sobreviveria a personalidade do homem. É quase impossível conceber a personalidade sem um corpo, devido ao fato de que é através dele que a personalidade se expressa e é reconhecida. O que Paulo afirma é que depois da morte não existe a absorção por parte de alguma deidade imprecisa, não se perde o eu nem a personalidade, o indivíduo permanece. Ele não tinha herdado o desprezo grego pelo corpo. Cria na ressurreição de todo o homem. Ninguém pode dizer como será essa vida. Mas a crença cristã é que não ressuscitará uma parte do homem, mas sim sua totalidade. Será ele mesmo; sobreviverá como pessoa. Isto é o que Paulo quer dizer quando menciona a ressurreição do corpo. Tudo referente ao corpo e à alma que seja necessário para que um homem seja uma pessoa, sobreviverá, mas, ao mesmo tempo, todas as coisas serão 1 Coríntios (William Barclay) 143 novas, e o corpo e o espírito serão muito distintos às coisas da Terra, porque serão igualmente divinos.

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